Sabe, quando somos crianças agimos de acordo com o nosso mundo. Somos destinados a pensar pequeno e a ter sonhos grandes, a querer o que aponta nossa visão e a dizer o que nos der na telha, pois sabemos que o nosso castigo é sempre naquele instante e que sofremos por quase nada de tempo.
Sempre morei em um apartamento de dois quartos com uma vista acima das outras residências, o que me permitia o privilegio de poder ver um pedaçinho do horizonte, de quando o sol nascia ou de quando a lua esbarrava no topo de um prédio distante de 20 andares, eu acho. Eu era criança, e ali permanecia na janela esperando alguém aparecer e me chamar para brincar, ou quando de castigo, ficava olhando apenas os meninos subirem nas árvores e saltando de corda de uma altura de cinco metros. Engraçado, porque eu sempre olhava para baixo na esperança de que alguém me chamasse.
Meu universo era ali, sem muitos mistérios e aventuras, mas que talvez fosse considerado um passo a frente dos outros meninos, pois eu via o que eles não viam, eu percebia o que não os eram permitido apreciar. A Igreja da Penha, iluminada a noite com suas escadarias e histórias de fé, cheia de luz e totalmente natural. O morro Dedo de Deus, longe e ao mesmo tempo tão próximo de mim, que me trazia uma leve e estranha sensação de que o dedo indicava em minha direção, como se Deus estivesse apontando para uma criança cheia de pecados. Mas eu preferia aquele dedo ao da minha mãe, que sempre ao apontar para o meu rosto, sabia que seria uma semana sem permissões.
Isso foi quando eu era criança. Agora, eu não olho mais para baixo, nem sei mais como é a rua, e a Igreja virou uma vaga lembrança por culpa de um edifÃcio a cem metros de meu apartamento. E são raros os dias em que consigo ver o dedo de Deus, porque uma neblina peculiar parece esconder as acusações, dando a entender de que Deus cansou de apontar.
Hoje em dia, mal chego na janela, somente quando se faz necessário. Por força do acaso, eu estou nela, mas diferente de quando criança, hoje eu olho para cima, para o céu, as vezes especificamente para uma estrela, da qual aponto, sem essa de que posso obter uma verruga por isso. Não acredito em metade das coisas em que me foi dita na infância. Hoje penso alto, mas tenho sonhos pequenos.
Quando me pego parado olhando para a noite quase estrelada, como neste instante, me pergunto onde está a causa que me levou ali. Sei que é ingênua pergunta, pois caso não saibam, eu já possuo a resposta. Mas o fato é que eu queria ouvir algo diferente, algo que me confortasse, e quanto mais eu procuro, menos eu encontro.
Quase sempre minhas questões são sobre o amor. Tentei em filmes, li romances de autores consagrados, e as que mais se aproximaram foram historias anônimas, contadas por pessoas que passam em nossas vidas feito furacões. Eu sabia que não podia contar com a sorte, nunca fui bom em receber bênçãos. Se fosse algo que eu queria, eu tinha que lutar, e adivinha? Eu perdia, pois sempre fui um péssimo lutador. Mas as pessoas de certa forma cansam, assim como Deus de apontar. Chega uma hora em que nos pegamos secos de sonhos, de desejos, sóbrios de dor, sem morfina... Chega a hora em que sentimos ódio por nada ser eterno, e passamos a enxergar o sofrimento como uma válvula de escape para escrever belas canções... ou textos! Perdoem-me, sei que isso foi muito mais particular pra mim do que para vocês. Tentarei ser plausÃvel e buscarei na balança de minhas idéias algo que comova a todos. Tentarei ser menos eu.
Não se trata de uma confissão, mas hoje estou nesta janela porque, talvez, aquele edifÃcio cinza me tirou um pouco da fé. Ou quem sabe culpo o mesmo pelas minhas imperfeições. Não sei bem ao certo, mas aquela Igreja era meu amuleto, e ela foi tirada de mim. Eu poderia berrar para o mundo ouvir, mas tenho certeza de que seria em vão, todos estão preocupados demais com assuntos importantes, ninguém vê a lua amarelada lá fora. Ninguém possui a sensibilidade de ver as estrelas como eu vejo.
Antes de me sentar perto a janela, bocejo. Toda atenção voltada para o monitor a minha frente, é o quinto filme de amor em menos de um dia, e este se chama escrito nas estrelas. O casal sentado em pleno inverno, diante de uma pista de gelo, compara as sardas nos braços da mulher a uma constelação chamada Cassiopéia. Vou mais a fundo e busco em livros o significado daquela constelação e descubro uma figura humana sentada no trono, de cabeça para baixo. Para os gregos, isso representava punição por um crime severo, sendo assim, associa-se a constelação ao mito de Cassiopéia, a vaidosa rainha da Etiópia que comparou sua beleza à das Nereidas, filhas de Poseidon. História fascinante, daquelas que se anota no livro de memórias.
E agora sentado na janela, tento achar a mesma constelação, mas sinto que estou no lugar errado e distante. Tento achar também no ar quase gélido e puro, a razão que tenho de permanecer vivo. Assim como Cassiopéia, sinto que estou de cabeça pra baixo, ou seria o meu mundo? Seja lá o que for, também estou sendo castigado e até mesmo sacrificado pelo monstro Cetus.
O amor… assim como lhe foi reservado pelo Espetáculo Espetacular no curioso e excêntrico cabaré do Moulin Rouge, é verdadeiramente estrondoso, esplendido e cuidadosamente poético. Porque a melhor coisa que se pode aprender, sabemos que é amar e em troca… amado ser! É por isso que estou aqui, hoje, nesta janela que a tempo não me recosto.
Será que terei que viver para sempre nesse martÃrio, nesse mar de empecilhos que me quebram em correntes e deixam meu coração partido em dois. Penso em tudo o que vivi até agora. Penso nela. Na mulher dos meus sonhos, na que eu escolhi, na que acredito ser a senhora que viverá comigo pra sempre e morrer ao meu lado como morrem os pássaros, com uma pequena ausência de ar… e pronto. Sonho todas as noites com isso desde que ela entrou na minha vida, assim do nada, outra vez! Ela sabe que penso em seus lábios, que penso em suas mãos delicadas, mas não sabe o quanto é meu sofrimento ao deixar que o tempo decida o que for melhor pra nós dois. O tempo é importuno, é severo quando quer. Se por um lado tenho a vantagem de um coração sarado pelas horas que lhe foi dada, agindo assim com serenidade e calmaria, fazendo-a esquecer de um passado sólido como nuvens carregadas de partÃculas de incertezas, por outro tenho eu, um ser bobo, que consegue escrever lindas e interessantes estórias de amor, mas que não é capaz de viver uma. Esse mesmo eu, que se diz lÃrico, não por mim, mas pelos que acreditam, age da forma como tem que agir, pressionado a ser ingênuo e a viver eternamente condenado a ser um simples poeta falido. Se ela soubesse o quanto estou apaixonado toda vez que vejo sua foto. É de se encantar quando a cada badalada do sino da Igreja que nunca mais vi, eu consiga ver o rosto de minha amada, projetada nas estrelas. E isso me faz abrir um sorriso, mesmo que por pouco tempo. É o único sorriso saudável que posso garantir.
Mas na janela me recosto, sem nunca olhar para baixo, somente do horizonte para cima, na esperança de que o Dedo aponte para a direção certa. Seria um bom começo, seria uma boa trégua entre eu e Deus. Porque o que mais me intriga, não é o fato de eu ter perdido tanto tempo para encontrar quem realmente eu procurava, e sim, quem eu procurava ter se perdido por tanto tempo esperando que eu a encontrasse. Isso se chama medo. E medo requer luta.
Mas como eu disse: eu sou um péssimo lutador.
Já assistiu Nome Próprio, com Leandra Leal? Vale a pena.
ResponderExcluirE um pequeno texto meu, de um antigo blog que cancelei:
"O que é a dor, o que é o medo?
Serão sensações, sentimetos que indicam que algo não está acontecendo como deveria?
Serão necessidades 'subconscientes' que nos impomos, pra poder vencer e nos sentirmos fortes diante da vida?
Ou serão justificativas pra nossa fraqueza interior?
A dor é resultante de algo que nos fere (óbvio). Mas será esse algo tão contundente assim a ponto de nos entregarmos a ela?
E o que dizer do medo? Este companheiro que nos faz pensar (e muitas vezes agir) por conta do que 'pode' acontecer e não do que 'queremos' que aconteça.
Penso que sentir medo é natural já que estamos sujeitos à decepções, em todos os momentos e relações de nossa vida. Mas seria justificativa parar ou fazer diferente do que realmente desejamos por medo do que 'pode' acontecer? Será o medo um 'tagarela' que nos faz acreditar em suas 'verdades', mesmo que elas não tenham fundamento algum?
Daà vem a dor, que vejo como uma desculpa por nossa fraqueza em 'encarar' a vida e os 'obstáculos' que encontramos ao longo do caminho. E mais, por não usarmos nossa própria 'voz' pra dizer o que 'queremos'.
Medo e dor fazem parte da vida mas devemos fazer deles 'degraus' pra crescimento de nossa segurança, nossa personalidade, nosso poder de decisão.
Mas exitem aqueles que se deixam dominar, por acharem mais fácil 'ceder' a 'lutar'".
Adorei a maneira como se expressa.
Vamos falar mais, com certeza.