O que aconteceu com M. Night Shyamalan?

Há exatos nove anos, chegava aos cinemas norte-americanos A Vila. E, com ele, uma das maiores promessas do cinema contemporâneo consagrava-se definitivamente como o principal nome da Hollywood do início do século.

Em 2004, M. Night Shyamalan estava no topo do mundo.

A Vila era o seu sexto trabalho – e não o quarto, como muita gente acredita. Até hoje, a maior parte das pessoas contabiliza seus trabalhos somente a partir de O Sexto Sentido e desconhece seus dois primeiros longas-metragens, Praying with Anger e Olhos Abertos - da mesma forma que muita gente nem imagina que o roteiro de O Pequeno Stuart Little seja dele.

Não é culpa do público. Em 1999, O Sexto Sentido tomou o mundo de surpresa, revelando o talento de Haley Joel Osment e dando novo fôlego (além de grandes doses de inteligência) ao então esgotado gênero terror. O filme se tornou o grande evento do ano, sendo comentado até mesmo por quem não o havia assistido. Com isso, Shyamalan, virtualmente um desconhecido, tornou-se um astro da noite para o dia.


Foi neste momento que Shyamalan desafiou o sistema ao seu redor.

À época, todos esperavam que o diretor aproveitaria o sucesso de O Sexto Sentido para realizar um novo filme do gênero - o mercado de terror funciona quase como um gueto, e boa parte dos diretores que fazem sucesso com os admiradores destes filmes optam em fazer isso para sempre.

Ele surpreendeu novamente e, pouco mais de um ano depois, entregou Corpo Fechado, um dos filmes mais intricados sobre super-heróis já realizados em Hollywood. Isso numa época em que a Marvel mal começava a apostar em adaptações de HQs - e dramas mais complexos e realistas com super-heróis, como O Cavaleiro das Trevas ou Watchmen, sequer eram cogitados pelos estúdios (e provavelmente seriam descartados e considerados "loucuras").

Este talvez seja o grande divisor de águas na carreira de Shyamalan. Ao contrário de O Sexto Sentido que foi aclamado por público e crítica, Corpo Fechado teve reações divididas. E nenhuma delas morna. Alguns consideravam a maior história de super-heróis contada nos cinemas até então, outros alegavam que era um filme no qual nada acontecia. Resumindo: as pessoas amaram ou odiaram o filme.

As reações também foram divididas em seu trabalho seguinte, Sinais, seu primeiro “namoro” com a ficção científica. As críticas vinham sempre cobertas do mesmo argumento: o cineasta passava 90% do filme insinuando algo para, ao final, surpreender totalmente o público. Quando A Vila estreou, os filmes de Shyamalan dividiam o público, mas isso não o impedia de ser considerado o grande diretor do momento.


Seus filmes eram estrelados por atores de primeira grandeza e lançados com pompa e circunstância pela Disney, que colhia os louros do cineasta desde O Sexto Sentido. Em suma: Shyamalan era um dos homens mais poderosos de Hollywood. E A Vila apenas provou isso. Mesmo considerado por boa parte da crítica como um dos filmes mais inteligentes do ano – e com um roteiro que fazia uma crítica severa à sociedade atual – muita gente, como era esperado, odiou. Da mesma forma que muita gente odiou tudo o que ele fazia desde Corpo Fechado.
Entretanto, seus admiradores – que enxergavam em seu trabalho não somente um cinema de primeira qualidade como quase um universo único, com pessoas comuns envolvidas em algo muito maior que elas (não muito diferente do seriado Além da Imaginação) – continuavam aclamando seus trabalhos.

E isso incluía boa parte da crítica. Desde o ano 2000, Shyamalan passou a estampar capas de revistas, espaço normalmente dedicado a atores. A Newsweek o apontou como sucessor de Steven Spielberg, colocando o cineasta como o homem que manteria a tocha do cinema de fantasia (e das superproduções com inteligência) acesa.


Foi quando tudo mudou, praticamente da noite para o dia.
A Vila foi seu último trabalho pela Disney e, em 2006, o cineasta apresentou A Dama na Água, que chegou aos cinemas pela Warner. O tom é o mesmo: o encontro do fantástico com o mundo real, quase como uma fábula. Mas o tom fantasioso ao extremo – num roteiro que não têm a mesma qualidade dos anteriores – bem como o enorme número de personagens fora-do-comum que circulam pela tela fizeram com que A Dama na Água não caísse nas graças do público e o cineasta amargou seu primeiro fracasso.

Era tudo o que seus detratores esperavam para acusar o cineasta de uma enorme farsa que enfim fora desmascarada pelo púbico. As críticas deixaram de ser sobre o filme e passaram a ser sobre o próprio cineasta, acusando-o de seguir sempre a mesma fórmula com personagens diferentes, e de seu enorme ego, que o fazia escalar a si próprio em seus filmes em papéis cada vez mais importantes (algo que não está de todo errado).

De lá para cá, Shyamalan parece nunca mais ter feito as pazes com o cinema. Tentou voltar aos trilhos em Fim dos Tempos – filme que seus fãs adoraram e enxergaram como uma volta às raízes – mas derrapou (e feio) com O Último Mestre do Ar, filme que, desde os primeiros trailers, chamava a atenção por parecer sem propósito e com visual ridículo. Mostrou ter lenha para queimar em Demônio (no qual ele "somente" escreve e produz), mas amargou outro fracasso em Depois da Terra, longa que nem mesmo a presença de Will Smith conseguiu salvar da concorrência com outros blockbusters.

Se nove anos atrás a Vila chegava aos cinemas tendo Shyamalan como o rei de Hollywood, hoje, nove anos depois, o cineasta se tornou um nome de risco para os estúdios – e, pior ainda, visto como realizador de filmes B por grande parte do público. Em cinco anos, Shyamalan foi para o topo de Hollywood. E, em cinco anos, caiu para o segundo escalão de diretores.


Enquanto Hollywood esperava que ele assumisse o papel de Spielberg - e alguns críticos desejavam que ele tomasse para si o cetro de Alfred Hitchcock, outro grande mestre em manipular o público - Shyamalan preferiu continuar sendo Shyamalan, fazendo os filmes que queria, da forma que queria, sem ceder à indústria. Certamente ele deve ter recebido dezenas de ofertas para assinar uma continuação de algum de seus filmes de sucesso e negou todas – ninguém conseguiria imaginar um O Sexto Sentido 2 ou Sinais 2. Todos seus filmes são histórias fechadas que se completam individualmente.

Neste ponto, sejamos sinceros: Shyamalan nunca se vendeu. E talvez por não ter se vendido, criando histórias diferente do habitual e com uma direção ousada, pagou um preço alto demais.

Mas Hollywood sempre adorou retornos triunfais e Shyamalan parece ser o personagem ideal para isso. Não aconteceu com Depois da Terra, quem sabe aconteça com seu próximo filme. Resta saber qual estúdio dará uma nova chance a ele e se mostrará disposto a bancá-lo.

Ideias certamente não lhe faltam – talento, muito menos. E uma destas ideias, certamente cairá nas graças do público da mesma forma que aconteceu com a história do menino que via gente mora.

Ao menos, é o que seus fãs esperam. Há anos.

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