Pergunta inacabada para algumas respostas prontas


Hoje estive me perguntando se Deus nos avisa quando é a hora de sorrir ou quando é a hora de chorar. Enquanto me perguntava o eco que se difundia dentro de mim se transformou em uma solúvel resposta, saindo pelos meus ouvidos, boca e narinas. O livre arbítrio. A liberdade sobre a prepotência, sobre a vontade de fazer o que quiser, quando quiser ou onde quiser. Constatei que a pergunta estava errada. Enganada por dentro. Burlada na casca. Errada na tinta ao sair da pena e no papel ao manchar a dália em marca d’água. Escrevi com rapidez uma pequena observação, e fiz questão de riscar a anterior. Coisas de escritor. Nela pus a firmeza de uma nova pergunta: "Será que Deus nos ajuda?" E a resposta veio sequelada, assim como minhas notas ingênuas, tão incrédulas sem desejarem ter sido. Ri por um momento. Sozinho. Ri porque eu estava sozinho. E achei graça das minhas idéias estouvadas, das minhas perguntas inacabáveis para as respostas já prontas. Respostas que não necessitavam de perguntas, que sempre estiveram estampadas em nossas caras ou nas nossas nádegas – apenas para os caras de bundas. Em dado momento, fui esclarecendo-me aos poucos e minha mente retornando aos loucos e conscientes pensamentos meus. Consciência do eu por si mesmo. O mesmo que eu. Em meio a todo esse enleio, pude recordar dentre a mais profunda falta de memória, um exemplo típico de que as respostas existem, nós é que não nos disponhamos a enxergá-las.
Era tarde do dia, e a mesmice de um pequeno escritório afetava diretamente o meu intelecto. Até que – com a graça de alguém – fui enviado para um serviço externo, no centro da cidade. Fazia parte do meu ofício e era o que eu mais gostava de fazer. Sair. Contemplar novos rostos. Caminhar por entre ruas, somente para manter meu espírito livre, apesar de tudo. Lembro-me das poucas nuvens que cobriam o céu e que me cobriam em uma ocasião azada. Tudo estava mal. Nada estava bem. Tudo bem, nada mal. Havia me acostumado com isso. Sabia que era um processo rápido, às vezes demorado. O que não importava, pois há muitos instantes ou tempo subseqüente, isso iria acabar. De uma forma ou de outra.
Fiz sinal para o ônibus que parou. Aproveitei o único banco vazio que restava para colocar em assento todo o peso de um dia exaustivo. Almejei estar em minha cama, sobre o meu travesseiro, escutando os pássaros residentes da enorme amendoeira plantada há anos no meu quintal. Desejei estar lá, só. Mas estava aqui, indisposto e sem postura, querendo dormir.
Quando entrou um rapaz com um nariz de palhaço. Acho que tive a mesma reação que todos. Ele sussurrou algumas palavras com o trocador, virou-se para os passageiros que ali estavam e se apresentou:
"Olá! Podem me chamar de palhaço. Fiquem a vontade, mas sem estardalhaços. Faço parte de uma Cia. Teatral chamada Os Retardados. Primeiramente queria agradecer a todos que aqui estão e que compareceram somente para prestigiar este artista humilde e de coração limpo."
Por um instante ele aponta o indicador para um senhor magro, de barba branca e olhar acima dos óculos, que permaneceu na primeira fila.
"Ali está a prova de que não minto. Essa é a quarta vez que o senhor assiste este espetáculo, não é mesmo?"
Ele nem sequer lhe deu o direito de resposta.
"Como vêem não estou fantasiado. Apenas meu nariz de palhaço me leva para o diferencial. Estou vendo que a casa está lotada, o show nem terminou e alguns já se encontram de pé, muito obrigado. Faremos o seguinte: Eu serei o artista, vocês o público, o cobrador será a banca e a direção nós deixamos para o motorista. Por falarmos em banca, vamos ver quantos ingressos já foram vendidos?!" – Vai até o trocador – "Temos a informação de que já foram vendidos 235 ingressos, dez a mais do que na última apresentação. Isso é bom!"
O ônibus pára no sinal, de onde embarcam outras pessoas.
"Olha aí! Mais gente chegando, prestigiando o trabalho do artista… Prazer, tudo bem? Qual é o seu nome?"
"Fulana!"
"Bem vinda Fulana, vai ser difícil conseguir um lugar bom, viu?… O ingresso custa 1,90 é só pagar aqui na banca e bom divertimento."
A medida em que ele fazia do ônibus, seu palco, aproveitei para olhar ao redor e pude perceber que as pessoas haviam desfeito toda a princípio surpresa ou coisa imprevista. Elas agora sorriam, mesmo que ainda fosse um sorriso entreaberto. Mesmo que não fosse de orelha a orelha. Mas já era um sorriso. E o artista, o palhaço, foi nos conduzindo aos poucos para o seu mundo, do qual, ele jamais saiu e nós deixamos de existir.
Ele não precisou de um palco Italiano para representar, nem de uma arena ou semi-arena, nem de cortinas e coxias, nem de um foco ou boca de cena para exibir seu espetáculo. Ele queria, de certo modo, revolucionar o artista que existe dentro de cada um. Não pelo talento de fazer maldade, não pelo engenhoso mecanismo de saber burlar as pessoas ou pela arte de rir das infelicidades dos outros. Não. Ele queria reensinar os valores éticos esquecidos através dos tempos, escondidos nas mangas, nos bolsos e nas cuecas. Ele queria nos fazer sorrir.
Hoje estive me perguntando se Deus nos avisa quando é hora de sorrir…
É tão evidente que não. Mas é tão claro que o desejo benévolo de Deus para conosco, é exatamente o de nos ver feliz.
Ele, o artista, continuou:
"Esse é um novo número que criei para o meu espetáculo, mas preciso da colaboração de todos para que dê certo. Topam?"
Alguns que já se encontravam em estado de júbilo, levantaram as mãos, dizendo: "Sim". Enquanto outros olhavam para o lado de fora das janelas, receosos com o que poderia vir.
"Muito bem! É simples… o lado esquerdo da platéia começa a cantar Atirei o pau no gato, e o lado direito bate palma. O berro do gato quem vai dar é o cobrador… – Todos riem. Podemos começar?"
Antes mesmo de dar início a canção, todos já havia principiado o canto, do "atirei" até o "morreu", formando um coro perfeito digno de um prêmio Pascoalino.
O cobrador virou para o público e exclamou envergonhado:
"Miau!"
"Muito bom!" – disse o palhaço em meio a risada da platéia. – "Muito bom! Agora vamos agradecer o nosso colega ao lado, abraçando-o pelo sucesso…"
Numa ação brusca todos se olharam.
"Abraçar uma pessoa que eu nem conheço?" Devia ser o pensamento de todos, ao contrário dos que já se conheciam.
Havia um homem ao meu lado. Reparei que ele ficou meio sem jeito se apressando a olhar através do vidro, para o lugar mais distante possível. Vago e distante. Era o nosso primeiro e último abraço de humano para ser humano, que nem chegou a acontecer. Talvez pelo preconceito criado por uma sociedade burra, e que naquele momento estava sendo imposto por ele, no qual eu nem sabia o nome. Então o nomearei "rapaz sem nome". Apesar de eu ter que deixar as coisas bem claras, preservando minha virilidade, não vi motivos para um conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério. Serei sincero, daria um abraço forte naquele "rapaz sem nome", assim como daria em meu irmão ou em meu pai. Daria por que o palhaço solicitou, sabendo que os motivos que o levou a pedir foram motivos plenos nos seios da boa vontade. No ventre do bem estar. Do próximo, da corrente, do elo, do violoncelo com todo o seu dó grave que cisma em afinar todos os dias dentro de nós. E suas quatro cordas, uma que nos enforca, outras que nos puxa para a porta de entrada sem saber – ou sabendo – que lá dentro é muito mais perigoso.
Quando me dei conta, já estava a um ponto de descer. Meus papeis em minha suja mochila revelavam meu gosto pela arte e pelo teatro. Queria poder dizer que eu também era ator. Que eu fazia parte daquele mundo esquecido por quase todos. Mágico. Simples. Transformador. Que fazia do ônibus, entre centenas, um palco móvel. Que fazia da chuva, confetes. Dos postes, bengalas gigantes, e das nuvens, saborosos algodões-doces.
Imaginar assim requer uma vantagem: "Ver a vida com outros olhos".
O mesmo olhar de uma criança que busca na fome, no prato vazio, uma pista de dança para um de seus bonecos sem braço, e que um dia cresce e deixa injustamente escapar a linha que a mantinha presa aos encantos e fascínios da vida. Seja nos livros, nas canções de ninar, nos desenhos e rabiscos, nas histórias de sua mãe, que sempre terminavam com finais felizes.
"Temos que ver a vida com outros olhos…" eu queria dizer. Mas não disse. Covardia ou não, eu tinha medo daquele mundo esquizofrênico. Eu tinha inveja daquele mundo dos palhaços.
O ônibus freou bruscamente. Uma senhora reclamou, e o artista tratou logo de resolver a situação.
"Olhem! Vejam quem está aqui hoje… Fernanda Montenegro! Sinto-me honrado por sua presença…"
A senhora que antes surgira com o rosto rubro de tanta raiva, agora sorria. A mesma puxou a cigarra. No painel surgiu escrito: "Parada solicitada". Havia chegado o meu ponto. E por um segundo, meu desejo foi não me mover. Permanecer ali, estagnado, sendo abençoado por poder estar presente, até o final do espetáculo, não importando o quanto tempo durasse. Podia ser uma, duas ou até três horas seguidas. Apesar da minha grande vontade, fui pego pela razão, pisoteado sem chances de reagir. Tinha um serviço a cumprir, tinha um trabalho a zelar, e tinha contas para pagar. De novo o mundo me aprisionou com suas barras de ferro invisíveis.
Desci, pensando em um dia ser livre!
Todo o meu cansaço havia sumido, mas não minha esperança de um dia poder viver da arte e jamais esquecer da origem própria da palavra. Procurando representar uma realidade tangível, de forma que todos possam se entreter por uma visão exterior, sem esquecer que fazemos parte dessa realidade, onde as aparências retratadas de uma maneira alterada ou distorcidas, deixam de ser problemas para virarem, assim como nosso humilde artista do nariz vermelho, grandes artistas.
Hoje estive me perguntando se Deus nos avisa quando é a hora de sorrir ou quando é hora de chorar.
Quer saber…
Preciso de umas férias!

2 comentários:

  1. Léoooooooooooo
    Consegui acessar e fiquei completamente a-pai-xo-na-da por cada ponto, vírgula, reticências, letra-a-letra do seu espaço virtual !!!! Se antes, lá em 2003, eu encontrei aqui neste mundo virtual, forças, ânimo, amigos virtuais queridos que perduram até hoje, palavras de carinho de pessoas que nem mesmo me conheciam na realidade, mas que pelas minhas palavras, eram como se me conhecessem intimamente, hoje, em 2008, eu volto a precisar estar aqui, neste mundo virtual, pra me recompor, reconstruir, reanimar, colocar pra fora as coisas que me sufocam a alma e a mente. Foi super coisa de Deus me fazer entrar naquela sala do nosso trabalho e ver você ali mexendo em coisas de HTML, pra depois cairmos em assuntos de blogs e você me apresentar este paraíso de palavras tão profundas e coisas tão verdadeiras.
    Amigo querido, querido amigo, de alguns anos, não é mesmo? Hoje, a partir de hoje, vou poder ler e reler seus textos, e o bom de tudo que poderemos comentar pessoalmente também, não só por comentários... super demais isso tudo !
    Só tenho a agradecer a Deus esta oportunidade que ele, lá de cima, ou daqui mesmo, nos proporcionou...
    "Deus nos avisa quando é hora de sorrir ou quando é hora de chorar ?" Não, Ele apenas nos dá motivos pra sorrir ou, se não for da nossa real necessidade do que desejamos, nos dá motivos pra chorar... porque somos crianças, e crianças rebeldes, que querem por que querem alguma coisa e quando não tem, faz biquinho, chora, faz pirraça... é assim que somos pra Deus, suas crianças !!!!
    Amei de paixão esta oportunidade que Ele e você me presenteou... dentro de alguns dias também estarei por aqui, novamente postando minhas idéias e meus ideais, conto com sua visita cordial de amigo querido também no meu espaço virtual!
    Super beijokas
    Mary

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  2. Oi Mary... Que bom que gostou! Vc é uma pessoa muito especial e espero poder ter sempre esse sua amizade linda! Aqui, nesse espaço podemos dividir ideias que nos revelam um pouco em verdades! Fico Feliz em saber que existem pessoas que se identificam com as postagens, pois demonstra que o ser humano, na sua máxima diferença, alcança a semelhança ideal. Sou um poeta desajeitado, que busca a perfeição inalcançavel... Vc, assim como todos que entram aqui, serve para completar esse mundo doravante! Muito Obrigado, seja bem vinda, e apareça sempre que quiser...

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