Contato com o Teatro


Estive em contato outra vez com o Teatro. Ontem. De noite.
Se bem me lembro, eu estava tímido. Ele me recebeu de braços abertos, sorridente, querendo saber como vivi durante a sua ausência. Não respondi muito, apenas o necessário, pois tinha medo que ele me engolisse outra vez.
Nosso último encontro de verdade aconteceu mais ou menos há uns três anos atrás. Foi um tempo muito difícil, de alegrias e tristezas, de valores e defeitos. Eu sabia que algum dia ele iria querer algo em troca, mas eu me arrisquei e segui em frente, porque em cada braço estendido eu me sentia protegido, eu era livre por alguns momentos e tudo me fazia não lembrar as coisas ruins que passei. Criei uma dívida que até hoje não foi paga.
É difícil fazer promessas pra si mesmo e depois não corresponder com elas. Arquitetamos sonhos e logo em seguida destruímos um trabalho que duraram anos, talvez décadas. Comigo o processo reagiu em meses.
Foi o tempo necessário para que eu percebesse que nada vem de graça. É como o filme que vi quando criança (Foi daí que eu comecei a ter medo de palhaços), do qual, o título era: “pague para entrar, reze para sair” – mudando apenas a ordem dos fatores – “Reze para entrar, pague para sair”.
Foi o que eu fiz.
Rezei tanto para entrar naquele mundo de ilusão que não percebi a realidade avassaladora que existia dentro. Uma verdade nua e crua. Eu fui fiel ao meu sonho e quase caí em um abismo profundo de desejos misturados com extremas falsidades. Tive respostas para as pequeninas perguntas de uma criança que desejava um dia ser artista de cinema. Ontem eu fui sugado, mas não fisgado. Fui consciente de tudo, enfrentei de peito aberto as condições que me puseram. Participei de uma entrevista falsa entre quatro paredes laranja. Havia um vidro falso em uma delas. Alguém de fato estava me olhando. Senti-me num daqueles filmes policiais americanos, tudo isso para responder algumas perguntas básicas sobre minha pessoa, como:

Cor dos olhos.
Cor dos cabelos.
Cor da Pele.
Altura.
Peso.

Eu sabia o porquê de tanta pergunta, mas aquilo me irritava. Estava pronto a pegar uma cadeira e jogá-la contra aquele vidro, mas não cheguei a cometer este erro. Eu seria ainda chamado para uma pequena avaliação e já naquele instante, minhas mãos suavam mais que o normal e meu estomago se revirava de nervosismo. Dois minutos se passaram, e eu fui chamado.
Quando entrei na sala, a primeira coisa que eu percebi foi o tablado. Todo envernizado, liso e brilhante de dar gosto. O espaço era duas vezes a minha humilde residência e as pessoas que ali estavam – devia ter umas quarenta pessoas – de uma beleza diferente. Ali eu notei a grande alternância do teatro de dois anos atrás. Era cabível notar os rostos de adoração das pessoas que ali estavam. Como se abrisse as portas para um lugar mágico, para um mundo criado somente em nossas cabecinhas de papel. Era outro começo. Ou outro fim. Era uma sala espaçosa, ambiente propício, um diretor conhecido, caras anônimas. Era nada mais nada menos que eles e a difícil tarefa de ser eu.
Quando o teste começou, passei de 110 para 150 batimentos cardíacos. Eu parecia um menino. A procura de doce, pensando em como seria o teste, qual seria o meu próximo passo. Meu propósito ali era outro, mas ele – o teatro – me pegou pelo braço, com força, me levou para dentro, cuspiu em cima de cima, dizendo:
- Entre seu verme. Pensa que iria fugir de mim? Por quanto tempo acha que você consegue? Evoé Baco… Evoé!
Não. Em nenhum momento eu pensei que… droga. Deixa pra lá! Eu sabia que uma hora ou outra, isso iria voltar a me atormentar, é como dizia no início do filme Armagedon, “Aconteceu um dia e vai acontecer de novo”.
Pois é.
Aconteceu. Ontem. De noite.
E enquanto todos imitavam animais em plena selva, eu já me considerava um. Minutos antes. Ao entrar pela porta da frente. Um estranho tratado como um rei. Um leão. Depois um macaco. Depois um esquilo. Depois um rato. Depois nada.
Ao comando do diretor para que todos começassem a se tocar, me retrai. Não queria ser tocado. Queria ser visto. Sentem ali, deixa que eu faço sozinho.
Mas não foi como eu previa. Na noite de ontem eu fui o público, o monstro de 7 cabeças. Não o ator. Durante toda a permanência dos anônimos, proferindo textos arquivados na memória durante alguns dias, eu estive lá, sentando, olhando. Doido pra entrar. Louco pra pisar na coxia e contar a minha história. Um pedaço de algum personagem perdido dentro de mim. Seja o de barba negra e longa, seja uma vizinha encrenqueira e seu leque, seja um homem com tosse ou um jovem apaixonado. Enfim. Se eu tivesse a oportunidade de mostrar outra vez…
Foi quando o diretor perguntou se mais algum de seus alunos gostaria revelar alguma cena nova.
Vamos! Essa é a hora!
Então mais uma vez, recuei. Houve silêncio. Profundo. E a cada segundo que se passava eu me encolhia. Virando uma concha. Fechada. Com a pérola mais preciosa dentro de mim. O poder de interpretar, de fazer rir e chorar, de causar emoção ou desprezo… todo aquele poder dentro de mim e… eu vacilei.
Depois de ontem, minhas fichas acabaram. Ao sair pela porta. Pressenti o teatro virar as costas para mim. Imaginei a dor de meus ideais. A cor morta dos sonhos desfeitos.
A culpa é minha.
Eu sei.
Mas depois de ontem, percebi que a briga é feia. Que a causa é injusta e que é fácil desistir e difícil continuar. Meus pensamentos são esses. Assim como minha maior interpretação de João de santo Cristo, também me revoltei. “Se a Via Cruces virou circo, estou aqui!”
Aguarde-me.
Sentado.

Um comentário:

  1. Arrepiada!!

    É como estou ao terminar de ler seu coração aqui....

    Deixe-me começar:

    "- É difícil fazer promessas pra si mesmo e depois não corresponder com elas." Falas de mim...só pode!!

    "-A cor morta dos sonhos desfeitos.
    A culpa é minha.
    Eu sei." Não sei porque você insiste em narrar minha mente aqui...

    "-...a causa é injusta e que é fácil desistir e difícil continuar." Eu falei isso pra vocçê quando???

    Nossa meu lindo....como é fácil te entender....

    E como é expressivo!! Senti como sendo eu a estar em cada um dos lugares narrados. E esteja certo que esses trechos que destaquei, são realmente reflexos dos meus pensamentos que do nada encherguei descritos por você!!!

    Não sei o que te dizer além de que, te entendo, e muito!!

    Qualquer frase de incentivo qeu eu porventura escrevesse aqui seria o que desejo a mim mesma, mas como sei que é dificil à beça, só te digo uma coisa: Vamboraaaaa!!!!

    Ontem não posso alterar, amanhã não sei o que virá, mas hoje eu posso ser, mais do que fazer ou parecer, simplesmente SER!!!

    Um beiojo enorme, viu?!!!

    Saudades!

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