Se eu pudesse daria uma festa



Se eu pudesse daria uma festa para convidar todos os meus amigos. Para aqueles que estão perto e para aqueles que eu não vejo há muito tempo. Daria uma festa para todas as pessoas que foram importantes em minha vida. Até mesmo para aquelas que passaram iguais a um foguete, mas que marcaram profundamente. Eu sempre tive esse pensamento, só que hoje ele foi reforçado por um acontecimento, daqueles que você menos espera. É gostoso quando isso acontece. Você se depara com o seu passado bem ali no presente e esquece qualquer coisa futura que possa vir acontecer. É como sentar debaixo de uma amendoeira e com o tempo parado, completamente parado por um relógio enguiçado, você conversa… conversa… E põe as ideias em dia, relembra das mancadas, das brincadeiras, das atitudes sem nenhum compromisso, das espinhas, dos palavrões, das roupas cafonas… e como eu me lembro.


Eu estava apenas indo trabalhar.
Deparei-me com o meu passado.
Ele era baixo, usava batom e em seus olhos refletiam felicidade.
Quando eu me vi, estava sentado na tal amendoeira.
E assim eu voltei.

Era uma amiga, no qual não me recordo o nome. – não lembrar do nome, não é tornar a pessoa menos especial, o importante é o que ela foi pra você. Eu prefiro rotulá-la com um apelido: a garota da boca carnuda. – Ela me viu. Ali eu mergulhei numa terra distante, basicamente num jardim chamado América. Tínhamos 30 minutos para lembrar de 3 anos de história. Quem fala primeiro?

Eu deixei ela falar, ela tinha mais conteúdo, ao passo que eu não mantive contato com mais ninguém. Ela falou do “Toro”, do “Caçapa”, do “PC”, do “Quina”, do “Candango”, do “Cachaça”, do “Perdigão” e do “Papel”. Juventude é assim. Cheia de apelidos.
Do “Quina”, ela retirou o que tinha de pior, vive drogado com um filho pra sustentar, trabalha como motorista de uma “combi”. Suas ultimas palavras sobre ele foi que raspou a cabeça – o cara tinha um cabelo fantástico, fazer o que né?

Mas dele tenho algo a ressaltar. Sempre o achei um rapaz inteligente, entendia de desenho, “grafitava” muito bem, e dançava como ninguém. Um cara que tinha estampado na sua testa a palavra “arte”. Mas pelo visto não soube absorver nada do que seu talento lhe propusera. Infelizmente nem todo mundo se dá bem na vida. E o “Quina” foi o bucha da vez.
Quem sabe um dia eu posso ter a honra de reencontrá-lo para bater um papo e pedir meu CD do Eminem que ele furtou de mim. Brincadeira. Eu já até comprei outro. Deixei como lembrança, se é que ele lembra de mim.

O “Toro” é a única pessoa com quem mais ela mantém contato. Era o famoso paizão. “Toro” se dava pela força que possuía e usava isso brilhantemente para nos defender dos demais alunos do colégio, se alguém se enfiava em merda, lá estava ele para ajudar a tirar. Lembro até hoje quando eu e mais quatro amigos, depois de horas virando a máquina do Fliperama e bebendo vinho, fomos para o colégio totalmente embriagados e com a língua vermelha. Resultado: sala do diretor. Lembro do “PC” fazendo careta, foi hilário. Sem meia delongas o diretor propôs a nos dar uma advertência seguida de 1 semana em casa. Eu ria igual à criança em vez de chorar. Meu pai iria me matar, e mesmo assim eu ria, porque o álcool retirava toda a tristeza do meu dia. Em conseqüência me deu uma baita dor na cabeça e toda a minha bílis para fora. Essas coisas acontecem, alguém havia me dito que não se brinca com bebida. Mas eu era jovem demais e se não fosse o “Toro” entrando naquela sala e assumindo a responsabilidade por nós quatro, a coisa iria ficar feia.
O cara era muito forte, mas muito mesmo. Jogávamos Handebol o dia inteiro e ele era a nossa retaguarda. Na hora de marcar, de prender a bola e, sempre no fim, nas brigas e intimidações com o Juiz. O Mosquito, nosso treinador que lembrava muito o estilo de Bernardinho (Grande técnico da seleção brasileira), sabia muito bem disso. Tinha o toro como o guardião da equipe. E o cara era mesmo.
O que sei dele hoje é que continua a praticar Handebol, mala muito e virou professor de educação física. Ele tinha pique pra isso, e seu perfil não me dizia outra coisa.

E o PC, esse outro grande doido da vida. Curtia como um playboy que não era. Morava em Caxias e tinha regalias que ninguém mais tinha, o cara contava as mulheres que pegava e a única que namorou foi a que mais deu chifre nele. A mina era uma espécie de mercenária misturada com prostituta. Todo mundo sabia, menos ele. Era um dos meus melhores amigos, mas entre a gente tinha um cara chamado Papel. Sem querer eu e Papel nos vimos como uma espécie de família. Frequentei a casa dele muitas vezes, fui recebido como um irmão. Passei a gostar de rock por culpa dele e sem nenhum mérito deixei de gostar. Foi um tempo bom, conheci bandas, fui ao Rock in Rio três dias seguidos e tive uma das maiores experiências de minha vida. Viajava para Mangaratiba, onde passou a ser a minha segunda casa, quase me tornei uma “minhoca da terra”, se não por pouco. Bebíamos vinho até ficarmos embriagados. Certa vez, vomitei dentro do aquário da casa da tia dele, nossa, foi um dia horrível e eu tive que limpar todo o aquário. Acredite, a história vale a pena ser contada e muito mais engraçada do que essa pequena pincelada, se não fosse o tempo curto que possuo para redigir essa fase de minha vida, eu teria o prazer de lhe contar, mas deixemos  para outra hora, a estação de botafogo estava perto demais e a garota ainda não havia terminado de me presentear com o passado.

Ela me disse que o PC havia viajado para fora do país e que voltou e casou. Teve uma criança, não sei bem ao certo, acho que nessa hora dei uma de Dom casmurro e dormi no tempo. Não que as estórias fossem de cansar-me os ouvidos, mas eu havia dormido tarde no dia anterior e minhas pupilas cismavam de fechar-se sempre na melhor parte. Pois bem, a história do PC realmente não tinha muito os seus encantos, e o que eu sabia do Candango era muito mais forte do que qualquer nascimento de uma criança.

Contei a ela que o Candango havia sido expulso do colégio por agredir um rapaz novato, chutou-lhe tanto a cara que o rapaz foi parar em coma no CTI. Não parecia ser o Candango que eu havia conhecido, mas pelo que sei a sua família não se metia bem com pessoas da comunidade onde morava, o irmão mais velho havia sido preso e o histórico não era de coisas boas. Roubo, drogas, enfim, acho que isso interferiu e muito em seu rendimento na escola, suas notas caíram, ele começou a mexer com armas, poxa, o que sei é que ele foi expulso e nunca mais deu as caras. Velho, o Candango era outra espécie de paizão. Não sei por onde ele anda, mas se um dia ele ler esse texto, vai saber que eu gostava dele pacas. Não merecia a vida que tem, ou teve. Quem sabe ele não entrou pra uma comunidade evangélica e se converteu. Não! Não fazia o estilo dele. Acho mesmo é que ele virou bandido e tá morando numa mansão cheia de loiras gostosas e uma piscina coberta por pétalas de rosas.
Ele tinha uma lábia… mas o bicho era feio. Lembrava muito o Zé pequeno do filme “Cidade de Deus”.

O Caçapa sempre foi metido com drogas, só não sei se usava drogas pesadas, mas que usava alguma coisa, usava. O cara era maneiro, vivia no fliperama o dia inteiro e junto com o Papel, me levou para esse mundo “Matrix”. Era bar, vinho e videogame o dia inteiro, matei muitas aulas de geografia para dar atenção ao Wolverine e sua equipe de X-MAN. Eu tinha uma reputação a zelar, não era o melhor jogador do Colégio Juscelino, mas me mantinha no ranking dos melhores. Eu sempre dizia: eu não faço eletrotécnica, eu faço Patiologia. – Adorava dizer isso, porque eu vivia no pátio.

A estação de botafogo havia chegado e não conseguimos terminar a nossa conversa, havia muita coisa e pouco tempo. Deixamos para tê-la à frente do tempo, num futuro qualquer, sabendo que jamais iríamos nos encontrar outra vez. Se o destino não fizesse a sua parte, eu não faria. É melhor assim, algumas histórias se tornam mais saborosas quando não se sabe todo o resto. Mas aquelas histórias e pessoas ficarão guardas em minha memória pro resto de minha vida, elas ultrapassarão fronteiras e gerações, meu filho saberá quem foi Toro, Papel, Caçapa, PC, Quina, Candango e tantos outros imbecis que nem eu, que fizeram escolhas erradas e algumas certas. Éramos jovens demais para saber se o certo era mesmo o certo a se fazer. Talvez na adolescência é preciso errar mais do que acertar. Pois o barato da vida é esse. Se hoje eu sou o homem que sou, foi pelas burradas e vivencia de minha adolescência precoce. Eu tinha apenas 14 anos quando entrei naquele colégio cujo símbolo era um J e um K. eu não tinha noção da imensa saudade que levaria comigo depois de anos passados desde aquela data. Desde aquele dia em que, na fila, eu estava com minha mãe aguardando para fazer a matrícula. Ali havia rostos que se tornariam especiais em minha trajetória.

Pois é, se eu pudesse daria uma festa para convidar todos os meus amigos. Daquelas em que o tempo para, se puxa um violão das costas e começamos a cantar a música de nossas vidas. A aurora. A parte mais especial do nosso passado cheio de façanhas para contar. Éramos uma família. Hoje somos agregados desse mundo que nos receberam, alguns de braços abertos, outros nem tanto. Mas uma coisa é certa: Eu jamais terei outra experiência igual aquele que tive no J.K.


Tenho a blusa assinada por todos até hoje. Saudade é algo que só se come acompanhado por um refrigerante de 500 ML. Se não o nó na garganta se forma, a comida não desce e nos engasgamos com o nosso próprio passado, cheio de nostalgia.

2 comentários:

  1. Oi lindao tudo bom, acabei de conhecer seu blog e achei uma graça..te desejo muito sucesso,

    Sucesso Beijos
    http://cibelefloriano.blogspot.com.br/

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