Incêndio.



A caneta caiu.
Eu não havia visto.
O vento virou a folha escondendo o inicio de um texto mal feito, de um pensamento fora do compasso.
Começava assim:
“O amor escolhe, ou é escolhido?”
Como sempre minha mente se destina ao terrível sentimento chamado: amor.
Essa obsessão constante.
Essa falta do que falar.
Sei o quanto sou importuno.
Confesso.
Estou sentado no sofá agora e penso como nós podemos nos enganar a respeito, ou como somos tolos diante de certas situações. Escrevo com minha mão esquerda, a única amiga que me transparece em palavras.
Hoje ela irá lhe contar algo que me deixou pasmo. Sobre desilusão. Sobre a falta de sorte.
Imagine você que de uns tempos para cá minha vida tem sido um prédio em chamas. E eu estou sentado no último andar deste prédio. O fogo, de um vermelho intenso e vivo, sobe como se sua existência dependesse disso. A fumaça percorre os corredores procurando alguém para abraçar, mas sua tentativa é falha, pois no prédio só existe eu.
No alcance de minha visão turva consigo perceber uma quantidade de pessoas que parecem torcer por mim. Elas gritam meu nome. Eu não gosto disso.
Mas isso não é hora de eu parar para pensar nesse tipo de coisa, pois em alguns instantes eu vou morrer. Queimado. Sozinho.
A fumaça alcança as nuvens mais próximas e os vidros se quebram no andar debaixo anunciando que as chamas subiram mais um degrau.
Sinto medo.
Meu corpo treme.
A respiração é pesada.
Não sei porquanto tempo vou agüentar.
Até que surge entre os escombros alguém sem expressões, calma, como se nada daquilo estivesse lhe afetando. Ela não me revela nada. Não age. Não foge. Parece querer sentir o fogo queimar seu corpo por inteiro. Aquilo me causa angustia. Eu me levanto e tento ir em direção a ela. Preciso salvá-la. Tirá-la dali.
Antes, nada importava. Agora, uma vida dependia de mim.
Ou não.
Pois ela se mostrava segura. Forte. Decidida.
Seus olhos são como árvores milenares com raízes profundas. Dói só de olhar, e eu mal consigo respirar. Rastejando-me feito cobra chego aos pés. Quando dou por mim, ela se desfaz em pó. Ainda dava pra ver a única expressão viva em seu rosto antes do fato. Um sorriso meio falso. E se desfez.
Mesmo sem condições nenhuma de pensar, veio-me, meio que por uma fração de segundo, a imagem embaçada de meu passado, assim como um porta retrato sujo e mal feito. Lembro das pessoas que torciam por mim lá fora e percebi que não damos conta do quanto somos importantes até que alguém nos demonstre isso.
Fui, então, acometido por lágrimas que me levaram o resto de ar. Senti ser o último suspiro a tomar conta de mim. Perdi a consciência. Pelo menos sinto um pouco de paz.
Quando acordo, penso estar de novo sob as condições do fogo, vencido, mas não. Atrás de mim está a certeza de que eu não morri. “Isso aqui não é um incêndio, é só a minha vida ardendo.” A mesma mulher me abraça, me convida, parece estar decidida a tomar o meu tempo. Eu me recuso, tirando suas pequenas mãos delicadas de cima de meus ombros. Viro-me. O rosto dela é embaçado, mal posso reconhecer seus traços. Lembro do filmes “brilho eterno de uma mente sem lembranças” talvez seja isso. Talvez eu esteja apagando-a de minha memória. Mas por um lado, minha mente recusa. Ela é muito importante para mim. Eu acho.
Peço para aquilo ter fim. Grito. Ela não se move. Olho para todos os lados e não vejo ninguém além de nós dois. À frente, só o branco e o vazio. Estou numa espécie de purgatório e o meu medo é não ir para o paraíso. O inferno eu já conheço. Ele não me faz falta.
Ouço meu nome ao fundo. Longe. Conheço as vozes. São de meus antepassados. A mulher ouve também e se assusta. Começa a correr em direção contrária, e eu corro atrás. Inocente. Frágil. Minhas pernas bambeiam e tudo o que sinto é uma sensação de que algo está errado. Ela corre mais do que eu. Ela some.
Eu estou sozinho outra vez. Não há chama. Não há sentimento.
Na brincadeira de inventar histórias para propor uma verdade quase omissa, noto que a realidade se torna crua ao ponto de eu esconder o que realmente gostaria de revelar. É uma espécie de anagrama. Saco e caso. Mala e lama. Morte e termo. Amor e Roma.
Eu invento, mas sempre caio na mesma armadilha. Onde o feitiço vira contra o feiticeiro. Sempre na mesma medida. Na mesma intensidade.
Pontos a considerar:

O amor é terrível.
A ausência de sorte é o início da desilusão.
O incêndio é pior quando visto de dentro.
Nada faz sentido quando você está preste a morrer.
A vida é uma caixa de pandora.

No final, só a esperança.

Leonardo Lima
Nextel: 12*45387
Não copíe, crie.

Um comentário:

  1. LIBERTE-SE!!!
    A vida é uma antítese.
    Assim como Pandora e a caixa, encontramos coisas boas e ruins, pessoas amáveis e abomináveis e nos fazemos santos e pecadores.
    Cada um com a parcela do que lhe cabe, nem mais, nem menos.
    Mas há momentos em que dimensionamos de forma errada.
    Falar de amor é dor e prazer. Mas viver a dor como forma de prazer não é caminho.
    Prefiro os ambigramas aos anagramas.
    Prefiro ver o que é bom pra mim, seja direito ou reverso, na mesma palavra e significado.
    Pandora teve sua função... mas é preciso entender seu objetivo para que não seja em vão sua criação. No fundo da caixa (nós somos a caixa), encontre...
    LIBERTE-SE!!!

    Sei que você me entende...

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