Ele lembrava-se das histórias que seu pai lhe contava, quando criança. Eram histórias magníficas que o prendia e o fascinava. Heróis, Deuses, Guerras… mas com o tempo seu pai deixou de lhe contar, teve que arrumar dois empregos pra sustentar duas famílias, a que possuía, com sua esposa, e a que ganhou de presente de sua amante. Sua mãe havia falecido quando ainda era menino por um caroço de azeitona entalado. Coitadinha da Dona Ismênia, morreu tão nova e nem teve o gosto de saborear a vida por inteira. Casou-se cedo com Dorival com quem possuía dois filhos. Morreu e deixou nada. A não ser um porta-retrato velho onde havia a única foto da família ainda feliz.
O irmão casou-se cedo, foi morar em Lisboa deixando a cidade sem lembranças dele. Quando alguém o perguntava por onde andava Cabral, ele mesmo dizia em tom Irônico: “- Depois que descobriu o Brasil, não sei não!”
E assim ele foi crescendo, com as novas tecnologias em um tempo onde se acordava as quatro da manha e chegava-se tarde só para um banho e cama, acabou perdendo-se o encanto das histórias na varanda, ou no portão da frente, sentado em sua cadeira de praia quebrada à 20km de distância do mar. Não se tinha mais ideia do que era ler um livro sobre a rede de dormir, nem tão pouco apreciar os insetos em direção a luz, queimando, um por um, e caindo levemente ao chão.
As pessoas acreditavam que estavam evoluindo quando na verdade estavam ficando estúpidas.
Ele sentia saudade de tudo. Morava a três ruas do pai e mesmo assim só o via em festas comemorativas. Como se tratava de véspera de Natal resolveu aparecer para fazer uma visita.
E lá estava ele, ao lado do pai, sentando na varanda. Suas pernas não ficavam mais esticadas, dobravam-se ao máximo e de longe se via a letra “V” de cabeça para baixo.
Ele olhou para o pai, meio torto pelo tempo cruel, com seus cabelos brancos estilo algodão de festa, meio envergonhado pediu:
- Pai… poderia contar alguma história pra mim?
O Homem sorriu para o filho. Lembrava que nunca mais contara histórias para ninguém, nem para seus netos a quem deviam este favor. Com a globalização e com o mundo altamente conectado e tecnológico, nenhuma criança mais queria saber de historias para dormir, quem precisa delas quando se tem uma televisão de LCD no quarto, com imagem 3D e um Home-Theater Soundbar sem fio com Blu-ray?
O velho então diz:
- Claro meu filho… vou lhe contar a história de um herói ateniense chamado Teseu. Tudo começou quando Egeu, rei de atenas, descendente de Erictônio e filho de Pandíon e Pília, era casado com Etra, filha de Pitéu, rei de Trezena e…
- Xiii... pai, pai... é melhor o senhor contar outra... essa é muito complicada…
- Mas filho… você adorava essa!
- É mas… eu era criança né pai?
O pai soltou um fraco e singelo “Eu entendo…” e as palavras caíram a sua frente rolando pelas escadas de madeira.
- Quem sabe não se interesse pela História de Pandora?
- Essa eu já conheço, eu vi “Avatar” um dia desses…
- Não filho – diz Dorival impaciente – Não é dessa Pandora que estou falando…
- Ah… se não é, então é melhor deixar pra lá. Manda outra.
- Mas essa é boa, você vai gostar.
- Por que você não me conta aquela do Deus “Pan”?
- Porque eu não me lembro… - a face do pai agora era de tristeza profunda.
Silêncio entre os dois.
Não havia mais histórias interessante para se contar. Quer dizer, existia, mas Dorival sabia que nenhuma o interessaria. Ele estava grande demais para aquelas histórias e idiota demais para entendê-las ou degustá-las. “O mundo foi malvado com meu filho” pensou ele. “Quando eu queria buscar algum conhecimento, eu ia até a biblioteca central da cidade e buscava nos livros amarelados. O cheiro do livro sempre me fascinava, mas agora eu o vejo e percebo que em vez de evoluirmos estamos nos tornando escravos do “fast food”. A velocidade da vida nos tornou burros demais. Não somos nós quem processamos, mas sim as máquinas. A facilidade das coisas nos tira o prazer de pensar. É como no ingênuo filme Wall-E. Deve ser isso… nós perdemos a beleza.”
E então o filho percebe que o pai está triste e pensativo. Vê que foi muito rude com ele e lhe dá outra chance.
- Pai… por que você não me conta a história de Hércules?
O pai procura animar-se:
- Por que não Zeus?
- Hummm… que tal Mitologia Romana?
- Júpiter?
- Acho que não.
- Vênus?
- Não?
- Diana?
- Brega demais…
- Baco?
- Hiiii… não… safadeza pura!
- Desisto meu filho, vou entrar… Por hoje já deu! Quem sabe outro dia não?
O velho levanta-se, mas é repreendido pelo filho ao puxar-lhe pelo braço.
- Não… não pai… não se vá! Que tal Branca de Neve e os 7 anões?
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