"Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo."

A personagem principal é Lúcia, menina de catorze anos, a quem poderíamos classificar satisfatoriamente de estrupício. A mentira não é contada, mas sustentada por ela. Tudo começa com um banal enjoo, sua ida ao médico e uma vez no consultório, o diagnóstico da gravidez. Tal determinação é um desconhecido sintoma da demência do próprio ginecologista, pois afirma estar grávida toda e qualquer mulher que o procura. Esta loucura só é revelada no final do livro, mas até lá, todo um lodo de imundície e histeria reprimido durante anos pela família vem à superfície e começa a tragar seus membros. Esta família é composta de pai (Dr. Maciel), mãe (Dª Ana), cinco filhas - das quais Lúcia é a caçula e preferida do pai.
Lúcia recebe a notícia da gravidez e ao invés de rebelar-se, reclamar, desmentir, acha bonito e aceita seu novo, inda que falso, estado. Começa acolhendo a criança "a nascer" mesmo vendo sua família desmoronar, e até foge de casa ao saber das considerações sobre o aborto (e quem o faria seria o mesmo médico que atestou a gravidez). Nos primeiros interrogatórios sobre o nome do pai, respondia sempre "ninguém", talvez querendo dizer não haver nem um progenitor, nem uma gravidez. Seja como for, depois atribui a paternidade ao seu vizinho, aleijado a quem costuma visitar. Inicialmente pensamos em incesto, depois acreditamos no paralítico como pai. Por fim, somos influenciados pela maldição de Dª Ana, lançada contra o marido ao ser levada para o manicômio "O pai do teu neto será teu assassino!". Sendo o Dr. Maciel assassinado por um dos genros, pensamos estar tudo encerrado. E nesta parte descobre-se a mentira, pois Lúcia sequer fora violada.
As descrições são fiéis, mesmo se cruéis. A adoração inicial do pai transforma-se em atração pela menina, ao saber que ela pode não ser sua filha. Pensa em usufruir deste novo dado num lugar remoto. Em certa altura, após ter sido baleado por Dª Ana, Dr. Maciel volta ao quarto do casal, de onde foi retirado para ser socorrido, e onde ela permanece inerte. O diálogo travado mostra o paroxismo da crueldade por parte dele:
-Por que não te mataste?
Admira-se:
- Eu?
E ele caricioso, ignóbil:
- Você, sim! Eu deixei você livre, esperando isso, justamente, esperando que você acabasse com a vida. Lá embaixo, houve um momento em que eu julguei sentir cheiro de gás. Então, pensei: 'É ela!' Mas você tem medo! Não quis se matar".
-Por que não te mataste?
Admira-se:
- Eu?
E ele caricioso, ignóbil:
- Você, sim! Eu deixei você livre, esperando isso, justamente, esperando que você acabasse com a vida. Lá embaixo, houve um momento em que eu julguei sentir cheiro de gás. Então, pensei: 'É ela!' Mas você tem medo! Não quis se matar".
amigo vi a peça pelo You Tube, maravilhosa... gostei mesmo.
ResponderExcluirO que pude tirar desse "texto" que a mais absoluta verdade, ñ passa de uma grande mentira...