- Senhor, em nosso Sistema consta que o senhor está morto. Precisaremos matá-lo, senhor.
Ouviu, assustou-se, deixou o telefone cair e se atirou no sofá chorando. Não existia para o Sistema, logo não existia na vida real. Uma foice pareceu atingir em seu pescoço, percebeu que era apenas a brisa forte que percorria pela janela e adentrava a sua humilde residência, cortante como devia ser.
Ao longe, uma voz aguda saÃa do telefone. Percebeu que não havia desligado-o ainda. Voltou a pegá-lo e calmamente perguntou.
- Minha Senhora… quando de fato isso…isso…isso ocorrerá?
- Não sabemos ao certo… mas o senhor já deveria estar morto.
- Por quê? Eu não recebi nenhum tiro, não tive nenhum infarto, minha saúde é perfeita…
- Senhor Demétrio, sou apenas uma atendente, as informações… apenas repasso-as.
- Entendo!
- Nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo. A que horas deseja que nosso encarregado esteja em sua casa?
- Como?
- Nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo. A que horas deseja que nosso encarregado esteja em sua casa?
- Não entendi…
- Devido ao seu problema de surdez estaremos também enviando um otorrinolaringologista para que o senhor possa ouvir bem a morte lhe chamando…
- Não… não… eu entendi essa parte. O que não pude compreender é por que tenho que escolher a hora em que vou morrer.
- Como disse, nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo.
- Entendo…
A essa altura o relógio em seu pulso marcava 12:35 am. O sol era convidativo e as crianças brincavam na calçada. Em seu estômago não se recebia um alimento sequer. Nada. Fome, nem sede. A única coisa que queria era sentar em uma grama e sentir a natureza. Sadia. Sempre viva. Queria sentir algo que trouxesse conforto. Ir a praia seria uma solução. Sentir a areia molhada, os pés sujos, a vista do mar… notou que só se percebe essas coisas quando se está para morrer.
- Senhor… o senhor já está morto, por isso vamos agilizar o procedimento para que não ocorra nenhum atraso em sua ida. Fique na linha e escolha a melhor opção para ter uma morte tranqüila.
Neste momento entra uma voz eletrônica.
- Para você que é nosso cliente há muito tempo, temos uma oferta especial para você. Quite dois ou mais prêmios e ganhe uma viagem para o Caribe e conheça as maravilhas deste local. E para você que é cliente novo, preparamos um brinde… coloque o pagamento de seu prêmio em débito automático e receba um lindo conjunto de panelas em Inox na sua casa. Mas para você que em nossos cadastros consta como morto, não desanime, temos também um brinde especial para você. Faça seu seguro pós-morte, o único seguro que garante seu conforto depois de sua falência, e ganhe um lindo caixão cor de madeira envernizada com acabamentos do séc. XVII. Tenha em mãos seu CPF e tecle 1 para garantir seu brinde.
- Eu não vou teclar “coisÃssima” nenhuma! Onde está a atendente? Quero falar com a atendente!
- Para sua segurança esta ligação estará sendo gravada. (…) Tecle (2) para cadastrar-se em nosso sistema. (3) para perda ou roubo de seu cartão Max-Fidelidade. (4) para reclamações e (5) se deseja falar com um de nossos atendentes.
Não pensou muito. Digitou o número (5) e esperou que a atendente lhe desse a primeira palavra.
- Morte, boa tarde, como posso ajudar?
- Morte? Como assim? Eu queria falar com a... qual era mesmo o nome dela? Droga… veja bem… é… Morte não é mesmo?
- Sim, Senhor.
- Pois então, eu não quero morrer ouviu bem… não quero! Sou muito novo pra isso, tenho muito que viver… vocês devem estar brincando comigo, só pode!
- Brincando não. Nossa Empresa é séria e tem como objetivo prestar os melhores serviços para nossos clientes.
- Mas eu liguei apenas para incluir mais um beneficiário em minha apólice. Daà a atendente me disse que eu já estava morto!
- Pois como sabe Senhor, nosso procedimento, quanto à s pessoas fÃsicas cadastradas que constam como mortas, nada mais é do que matá-las. Lembrando que nossos sistemas nunca erram, temos um banco de dados atualizado dia-a-dia por profissionais da área e que nunca dormem.
- Nossa! Que loucura!
- Não Senhor, também não é loucura, pois loucura é constar como morto sem ter morrido de fato.
- Pois então… como você mesmo acabou de dizer, seu sistema está enganado!
- Enganado Jamais, o Senhor é que esqueceu de morrer.
- Eu juro que vou processar vocês por isso! Quero todo o valor restituÃdo! Vocês terão que morrer num dinheiro depois que eu entrar com uma ação judicial contra vocês!
- Acho que o Senhor não compreendeu. Não somos nós que vamos morrer… é o senhor, senhor Demétrio.
Revolta. Telefone no chão. Não sabia mais o que fazer. Decidiu então ligar para a sua ex-esposa. Dizer o quanto ainda a amava. Se a morte não lhe dava escolha, precisava rapidamente dizer a todos tudo que nunca ousou revelar. Ao Manoel da padaria que lhe cobrava os olhos da cara para a entrega do leite e do pão em sua residência. A Sheila do 5ª andar que traia o marido todas as noites, quando o mesmo saÃa para trabalhar de segurança, e ao Presidente da República, onde nunca na história deste paÃs houve um Presidente que sequer tenha lido um livro. Eram tantas pessoas que ele gostaria de dizer poucas e boas, e também aquelas que gostaria de demonstrar sua gratidão. A Dona Manoela, que durante noites a fio, percorreu sua casa para lhe tirar um pouco de solidão, da qual, fez-se pela partida de sua ex-esposa Beth. Ao Lúcio Flávio, que uma vez quase se estrebuchou no emprego para tirar seu pescoço da forca.
Entre essas e outras, sua veia saltava do pulso esquerdo. Não entendia toda aquele trovão de confusão. Pensou em fugir, sair correndo dali. Pensou e fez. Mas antes pegou o telefone, não podia desligar assim, falaria com a morte sobre sua decisão e pronto. Tinha uma boa quantia guardada, poderia muito bem viver em outro lugar, em outra cidade, independente para onde, queria sumir. Pois bem.
- Morte?
- Sim?
- Talvez quando vocês vierem… eu não estarei mais aqui.
- Compreendo Senhor Demétrio. É a reação de todos.
- Então adeus.
- Adeus Senhor Demétrio.
Silêncio.
- Vocês não irão dizer nada? nenhuma palavra contraditória a minha decisão? – disse Demétrio, apreensivo.
- Não Senhor. O senhor tem o livre-arbÃtrio para fazer o que quiser. Mas estaremos sempre a sua procura. Como disse… não é o primeiro a cometer um ato desse. Muitos já tentaram sem nenhum sucesso. Mas me diga senhor, a sua apólice foi emitida em que data…?
- Eu não me lembro… minha posição é constrangedora, estou no meio de uma situação de risco, onde falo com a Morte em pessoa e não me sobram tempo nem opção para decidir se vou morrer agora ou não, e você quer saber quando foi que fiz minha apólice? Você só pode estar gozando com a minha cara!
- Demétrio, o senhor pode ficar calmo? Cuidados com o coração são necessários.
- E eu lá quero saber de coração?!?! Quem quer saber de coração quando se está para morrer?
- É verdade. Faremos o seguinte então, me passe os seu dados para conferência…
- Quer saber… eu estou cansado de vocês, eu vou morrer que nada, tenho muito pela frente, vou vender meu carro, minha casa e partir para outra… vou beber muita água de côco e também vou parar de fumar. Vou querer acordar cedo todos os dias só pra ver o nascer do sol, vou dizer bom dia a quem passar por mim. Vou assistir filmes de comédia, comer mais saladas. Vou para de beber bebida alcoólica e também nunca mais vou ficar até tarde no computador. Quando me der na telha, vou rolar na grama e sentir o verde, vou chorar de felicidade e rir das minhas desgraças. A qualquer hora, vou saltar de asa-delta, descer de bote pelas correntezas do rio… sair e escutar uma música ao vivo bem linda e dedicar a pessoa que está a mesa ao lado. Vou ler mais livros, ver menos tv, cair na gargalhada só por ter tropeçado na pedra que estava em meu caminho, e pretendo fazer isso tudo até o fim de minha vida… Cara senhora Morte… tenha um bom dia, e Adeus!
Desligou o telefone. Respirou fundo. Sentiu um alivio ao ter dito tudo aquilo. Pegou as chaves, não fez questão nenhuma do celular em cima da mesa, agora era uma vida nova, sem contatos. Sabia que seria difÃcil, mas a esperança sempre é a última que morre. Abriu a porta e…
- Olá Senhor Demétrio! Nos falamos a pouco no telefone… vou pedir para retirar a “esperança” do seu quintal para que evitemos urubus em seu jardim.
- Mo…mo…morte?
- Sim, Senhor Demétrio. Fim de jogo.
Autor: Leonardo Lima
Telefone para contato: (21) 9281-7010
Ouviu, assustou-se, deixou o telefone cair e se atirou no sofá chorando. Não existia para o Sistema, logo não existia na vida real. Uma foice pareceu atingir em seu pescoço, percebeu que era apenas a brisa forte que percorria pela janela e adentrava a sua humilde residência, cortante como devia ser.
Ao longe, uma voz aguda saÃa do telefone. Percebeu que não havia desligado-o ainda. Voltou a pegá-lo e calmamente perguntou.
- Minha Senhora… quando de fato isso…isso…isso ocorrerá?
- Não sabemos ao certo… mas o senhor já deveria estar morto.
- Por quê? Eu não recebi nenhum tiro, não tive nenhum infarto, minha saúde é perfeita…
- Senhor Demétrio, sou apenas uma atendente, as informações… apenas repasso-as.
- Entendo!
- Nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo. A que horas deseja que nosso encarregado esteja em sua casa?
- Como?
- Nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo. A que horas deseja que nosso encarregado esteja em sua casa?
- Não entendi…
- Devido ao seu problema de surdez estaremos também enviando um otorrinolaringologista para que o senhor possa ouvir bem a morte lhe chamando…
- Não… não… eu entendi essa parte. O que não pude compreender é por que tenho que escolher a hora em que vou morrer.
- Como disse, nosso serviço para com o senhor, neste momento, é de bem atendê-lo.
- Entendo…
A essa altura o relógio em seu pulso marcava 12:35 am. O sol era convidativo e as crianças brincavam na calçada. Em seu estômago não se recebia um alimento sequer. Nada. Fome, nem sede. A única coisa que queria era sentar em uma grama e sentir a natureza. Sadia. Sempre viva. Queria sentir algo que trouxesse conforto. Ir a praia seria uma solução. Sentir a areia molhada, os pés sujos, a vista do mar… notou que só se percebe essas coisas quando se está para morrer.
- Senhor… o senhor já está morto, por isso vamos agilizar o procedimento para que não ocorra nenhum atraso em sua ida. Fique na linha e escolha a melhor opção para ter uma morte tranqüila.
Neste momento entra uma voz eletrônica.
- Para você que é nosso cliente há muito tempo, temos uma oferta especial para você. Quite dois ou mais prêmios e ganhe uma viagem para o Caribe e conheça as maravilhas deste local. E para você que é cliente novo, preparamos um brinde… coloque o pagamento de seu prêmio em débito automático e receba um lindo conjunto de panelas em Inox na sua casa. Mas para você que em nossos cadastros consta como morto, não desanime, temos também um brinde especial para você. Faça seu seguro pós-morte, o único seguro que garante seu conforto depois de sua falência, e ganhe um lindo caixão cor de madeira envernizada com acabamentos do séc. XVII. Tenha em mãos seu CPF e tecle 1 para garantir seu brinde.
- Eu não vou teclar “coisÃssima” nenhuma! Onde está a atendente? Quero falar com a atendente!
- Para sua segurança esta ligação estará sendo gravada. (…) Tecle (2) para cadastrar-se em nosso sistema. (3) para perda ou roubo de seu cartão Max-Fidelidade. (4) para reclamações e (5) se deseja falar com um de nossos atendentes.
Não pensou muito. Digitou o número (5) e esperou que a atendente lhe desse a primeira palavra.
- Morte, boa tarde, como posso ajudar?
- Morte? Como assim? Eu queria falar com a... qual era mesmo o nome dela? Droga… veja bem… é… Morte não é mesmo?
- Sim, Senhor.
- Pois então, eu não quero morrer ouviu bem… não quero! Sou muito novo pra isso, tenho muito que viver… vocês devem estar brincando comigo, só pode!
- Brincando não. Nossa Empresa é séria e tem como objetivo prestar os melhores serviços para nossos clientes.
- Mas eu liguei apenas para incluir mais um beneficiário em minha apólice. Daà a atendente me disse que eu já estava morto!
- Pois como sabe Senhor, nosso procedimento, quanto à s pessoas fÃsicas cadastradas que constam como mortas, nada mais é do que matá-las. Lembrando que nossos sistemas nunca erram, temos um banco de dados atualizado dia-a-dia por profissionais da área e que nunca dormem.
- Nossa! Que loucura!
- Não Senhor, também não é loucura, pois loucura é constar como morto sem ter morrido de fato.
- Pois então… como você mesmo acabou de dizer, seu sistema está enganado!
- Enganado Jamais, o Senhor é que esqueceu de morrer.
- Eu juro que vou processar vocês por isso! Quero todo o valor restituÃdo! Vocês terão que morrer num dinheiro depois que eu entrar com uma ação judicial contra vocês!
- Acho que o Senhor não compreendeu. Não somos nós que vamos morrer… é o senhor, senhor Demétrio.
Revolta. Telefone no chão. Não sabia mais o que fazer. Decidiu então ligar para a sua ex-esposa. Dizer o quanto ainda a amava. Se a morte não lhe dava escolha, precisava rapidamente dizer a todos tudo que nunca ousou revelar. Ao Manoel da padaria que lhe cobrava os olhos da cara para a entrega do leite e do pão em sua residência. A Sheila do 5ª andar que traia o marido todas as noites, quando o mesmo saÃa para trabalhar de segurança, e ao Presidente da República, onde nunca na história deste paÃs houve um Presidente que sequer tenha lido um livro. Eram tantas pessoas que ele gostaria de dizer poucas e boas, e também aquelas que gostaria de demonstrar sua gratidão. A Dona Manoela, que durante noites a fio, percorreu sua casa para lhe tirar um pouco de solidão, da qual, fez-se pela partida de sua ex-esposa Beth. Ao Lúcio Flávio, que uma vez quase se estrebuchou no emprego para tirar seu pescoço da forca.
Entre essas e outras, sua veia saltava do pulso esquerdo. Não entendia toda aquele trovão de confusão. Pensou em fugir, sair correndo dali. Pensou e fez. Mas antes pegou o telefone, não podia desligar assim, falaria com a morte sobre sua decisão e pronto. Tinha uma boa quantia guardada, poderia muito bem viver em outro lugar, em outra cidade, independente para onde, queria sumir. Pois bem.
- Morte?
- Sim?
- Talvez quando vocês vierem… eu não estarei mais aqui.
- Compreendo Senhor Demétrio. É a reação de todos.
- Então adeus.
- Adeus Senhor Demétrio.
Silêncio.
- Vocês não irão dizer nada? nenhuma palavra contraditória a minha decisão? – disse Demétrio, apreensivo.
- Não Senhor. O senhor tem o livre-arbÃtrio para fazer o que quiser. Mas estaremos sempre a sua procura. Como disse… não é o primeiro a cometer um ato desse. Muitos já tentaram sem nenhum sucesso. Mas me diga senhor, a sua apólice foi emitida em que data…?
- Eu não me lembro… minha posição é constrangedora, estou no meio de uma situação de risco, onde falo com a Morte em pessoa e não me sobram tempo nem opção para decidir se vou morrer agora ou não, e você quer saber quando foi que fiz minha apólice? Você só pode estar gozando com a minha cara!
- Demétrio, o senhor pode ficar calmo? Cuidados com o coração são necessários.
- E eu lá quero saber de coração?!?! Quem quer saber de coração quando se está para morrer?
- É verdade. Faremos o seguinte então, me passe os seu dados para conferência…
- Quer saber… eu estou cansado de vocês, eu vou morrer que nada, tenho muito pela frente, vou vender meu carro, minha casa e partir para outra… vou beber muita água de côco e também vou parar de fumar. Vou querer acordar cedo todos os dias só pra ver o nascer do sol, vou dizer bom dia a quem passar por mim. Vou assistir filmes de comédia, comer mais saladas. Vou para de beber bebida alcoólica e também nunca mais vou ficar até tarde no computador. Quando me der na telha, vou rolar na grama e sentir o verde, vou chorar de felicidade e rir das minhas desgraças. A qualquer hora, vou saltar de asa-delta, descer de bote pelas correntezas do rio… sair e escutar uma música ao vivo bem linda e dedicar a pessoa que está a mesa ao lado. Vou ler mais livros, ver menos tv, cair na gargalhada só por ter tropeçado na pedra que estava em meu caminho, e pretendo fazer isso tudo até o fim de minha vida… Cara senhora Morte… tenha um bom dia, e Adeus!
Desligou o telefone. Respirou fundo. Sentiu um alivio ao ter dito tudo aquilo. Pegou as chaves, não fez questão nenhuma do celular em cima da mesa, agora era uma vida nova, sem contatos. Sabia que seria difÃcil, mas a esperança sempre é a última que morre. Abriu a porta e…
- Olá Senhor Demétrio! Nos falamos a pouco no telefone… vou pedir para retirar a “esperança” do seu quintal para que evitemos urubus em seu jardim.
- Mo…mo…morte?
- Sim, Senhor Demétrio. Fim de jogo.
Autor: Leonardo Lima
Telefone para contato: (21) 9281-7010
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